Não sou nada especial

Quando eu era pequeno, eu adorava ir ao cinema com a minha mãe ver aqueles filminhos de criança. A gente ia muito a um cinema na praça Sães Peña, que foi vendido e hoje é uma Igreja Universal (essa igreja, verdade seja dita, leva a sério aquilo de ser onipresente). Numa dessas vezes, a gente tava no ônibus, indo pra lá, e entraram uns assaltantes fazendo a limpa na galera.

Eu e minha mãe estávamos sentados na parte de trás do ônibus e os bandidos ainda assaltavam as pessoas da parte da frente. Minha mãe disse pra eu ficar calmo. "Não chora, não faz escândalo que é pior", ela dizia. Fiquei estático, só observando. Até que um dos assaltantes chegou e abordou a minha mãe.

Naquela época, ela era uma pessoa ligada na moda e usava polchete (o que explica muito o fato dela querer que eu usasse suspensórios!). A polchete dela tinha uns bolsos laterais, que pareciam apenas enfeite, mas que era exatamente onde ela colocava o dinheiro. Na parte maior, ela só deixava uma bolsinha com moedas e outros pendulicalhos. O bandido, bobinho, abriu a parte maior da polchete somente. Pegou a bolsinha de moedas e foi pra parte da frente do ônibus novamente. Se sentou - ainda não era o ponto dele saltar, ele era desses.

Nesse meio tempo, o bandido viu que a bolsinha que ele pegou só tinha poucas moedas. Que que ele fez? Voltou pra cima da gente, queridos. Jogou a bolsinha de volta pra minha mãe, com cara de quem tem pena, e disse: Pode ficar, colega. E desceu do ônibus.

"Pode ficar, colega." Colega? Você é amiga dele, mãe? Você conhecia o bandido? Fiquei perplexo. Então era esse o tipo de amizade da minha mãe. Questionei, indignado. E ela mandou eu calar a boca, que depois ela me explicava. Fomos ao cinema, com o dinheiro do bolsinho lateral. Viva a polchete!

P.S: "Os bandidos chamam todo mundo de colega", explicou minha mãe. Fiquei com pena deles. Carentes, né?